As mãos dos homens podem criar arte mesmo sem perceber,
fazer arte brincando, construindo ou destruindo.
Somos ensinados a caminhar olhando sempre em frente, cabeça
erguida, mas com cuidado para não tropeçar.
Eu tropecei.
Nas ruas da cidade, as calçadas e pavimentos, calçamentos e
passeios nunca são homogêneos.
O cimento, o asfalto, a cerâmica, o buraco, a pedra e o
bueiro formam uma confusão de texturas e desenhos.
Encontrei o chaveiro e a corrente, pedaços de ferro
fossilizados no concreto que indica o caminho a se pisar.
Pegadas gravadas, marcadas por alguém que de alguma forma
queria assinar com seus pés a presença no momento da criação.
O símbolo da paz riscado com o graveto, sem estragar o
trabalho do pedreiro e sim ajudar a compor a obra feita com areia, cal e cimento.
A argamassa seca, fica dura, enrijece, depois da cura serve
de brinquedo, riscado com um pedaço de giz o jogo da velha é o momento que só eu
registrei, depois da chuva, desaparece.
A água escoa, pra onde não vemos, pelo buraco desaparece, o
ralo e o bueiro fazem parte da composição, sem eles a calçada afogada sofre
erosão.
O poste cortado, o ladrilho quadrado, a caixa de gás, todos
presos no nosso caminho, imóveis, aguardando a próxima reforma, a marreta
soltando as lascas de sua prisão.
Eu passo sem pressa, com a câmera apontada para o chão, registrando
a arte menospisada, olhando pra baixo, mas com a cabeça nas nuvens.