terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Arte Menospisada



 As mãos dos homens podem criar arte mesmo sem perceber, fazer arte brincando, construindo ou destruindo.
 Somos ensinados a caminhar olhando sempre em frente, cabeça erguida, mas com cuidado para não tropeçar.
 Eu tropecei.
 Nas ruas da cidade, as calçadas e pavimentos, calçamentos e passeios nunca são homogêneos.
 O cimento, o asfalto, a cerâmica, o buraco, a pedra e o bueiro formam uma confusão de texturas e desenhos.
 Encontrei o chaveiro e a corrente, pedaços de ferro fossilizados no concreto que indica o caminho a se pisar.
 Pegadas gravadas, marcadas por alguém que de alguma forma queria assinar com seus pés a presença no momento da criação.
 O símbolo da paz riscado com o graveto, sem estragar o trabalho do pedreiro e sim ajudar a compor a obra feita com areia, cal e cimento.
 A argamassa seca, fica dura, enrijece, depois da cura serve de brinquedo, riscado com um pedaço de giz o jogo da velha é o momento que só eu registrei, depois da chuva, desaparece.
 A água escoa, pra onde não vemos, pelo buraco desaparece, o ralo e o bueiro fazem parte da composição, sem eles a calçada afogada sofre erosão.
 O poste cortado, o ladrilho quadrado, a caixa de gás, todos presos no nosso caminho, imóveis, aguardando a próxima reforma, a marreta soltando as lascas de sua prisão.
 Eu passo sem pressa, com a câmera apontada para o chão, registrando a arte menospisada, olhando pra baixo, mas com a cabeça nas nuvens.













segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

O Gosto do Barro


  Da língua tupi kaá/caá + pixaba (fazedor de roça) veio o nome de quem nasce na terra do
Espírito Santo, e foi na capital Vitória que encontrei a origem das famosas panelas de barro.
  Em junho de 2011 estive por lá com minha amiga Uiara Araújo para provar e aprovar as
delícias da região capixaba. Visitamos dezenas de restaurantes e degustamos várias moquecas, apuramos e fotografamos os melhores do Espirito Santo para a revista Veja Comer e Beber.

  Percorremos uma boa parte do estado, em Vila Velha provamos dezenas de caranguejos, em Guarapari reencontrando o artista plástico Vicente Bojovski que transporta as cores de suas telas para os pratos mais exuberantes em um cenário que remete o visitante ao mundo de Gaudí. Passamos também por Venda Nova do Imigrante que, sob a sombra da formação rochosa Pedra Azul, abriga uma casa do início do século passado, um charmoso e bucólico restaurante.

  Após essa maratona foto/texto/gastronômica decidimos conhecer a cooperativa das Paneleiras de Goiabeiras, no bairro de mesmo nome, que fica a caminho do aeroporto, três horas antes do embarque, malas prontas e a consciência tranqüila por termos concluído um lindo trabalho, chegamos ao galpão das artesãs.
  Do Vale do Mulembá vem o barro, que é a matéria prima para as mulheres que passam os dias moldando e esculpindo a terra molhada, que depois de seca e cozida trará o seu sustento, seu alimento.

  Sem torno de oleiro e ferramentas modernas, o trabalho é feito nas mãos, com as mãos e nada mais, assim como se fazia antes da influência do velho mundo pelos brasileiros originais, os tupis-guaranis, há mais de 512 anos.
  Do barreado paranaense a moqueca baiana, passando pelo empadão goiano, todos utilizam a panela de barro, porém, a mais famosa é a capixaba, e moqueca sem panela de barro não tem o mesmo sabor.

  Moldar, secar, cozer, açoitar a panela com uma seiva de árvore nativa fazendo com que ganhe a coloração característica e tornado a peça impermeável é a rotina das Paneleiras de Goiabeiras e um pouco desse processo você pode ver nestas fotos que fizemos.


       

       

       

       

       




 A caminho do aeroporto agora 7kg mais pesados, sim, pois não é possível voltar sem comprar ao menos duas peças para presentear as quituteiras lá de casa, ainda tivemos tempo para comer um hambúrguer no caminho, esse feito na chapa de ferro, mas ai já é outra história.